Exaspera-me as cabeças pequenas e de compreensão estreita, que não compreendem que eu trabalho. Não é o trabalho de repartição nem o trabalho numa empresa. Também não é uma fábrica ou uma loja. Mas eu trabalho. Acordo cedo, faço hora de almoço, organizo a casa num instante se for preciso, até vou às compras às horas catitas, quando não está ninguém no supermercado, mas fora isso estou sentada em frente ao PC ou em frente a um livro ou rodeada de artigos e canetas e garrafas de água e chávenas de café. E se necessário for, continuo a trabalhar depois de jantar porque os prazos não se compadecem com tarefas domésticas. E se necessário for, o trabalho prolonga-se pelas horas silenciosas do prédio, quando todos dormem e uma totó tecla incessantemente. Também tenho o péssimo hábito de trabalhar ao fim-de-semana, mas esses eu lá vou conseguindo manter para mim.
Adoro ser bolseira a tempo inteiro, ter mais tempo para fazer almoçaradas, adorei ter ido beber um café a casa de uma amiga que tirou o dia e me convidou para lá aparecer (e que, aliás, é das poucas que compreende perfeitamente o que faço na vida), mas sabem o que faço depois do intervalo? O mesmo que vocês, regresso ao trabalho. Começo a sentir-me refém dos sentimentos feridos dos outros, mas não posso saltar perante a voz de comando de quem me atira "Mas tu até estás em casa...". E sei que as pessoas ficam chateadas quando eu não apareço porque até estou em casa, que razão terei eu para não aparecer? Não sei, se calhar não ter que devolver a bolsa por inteiro no fim do meu contrato porque andei a beber cafés em vez de redigir uma tese.
Agora se o vosso problema é a forma e não o conteúdo, aí já não posso ajudar. Porque de facto eu escrevo na mesa de jantar ou na cozinha e leio no sofá. E às vezes até escrevo na varanda a apanhar sol. Se vos tranquiliza as emoções eu vou para um open space qualquer, eu mudo-me para a Universidade a tempo inteiro só para não perturbar o vosso frágil ecossistema.
E isto vem num dia em que ainda não parei senão para comer. Deve ser da boa vida que levo.